20 - Joey ♥
Meia hora depois eu estava tocando a campainha da casa de
Josh. Imagino que ele precise realmente de socorro.
- Anne, graças a Deus! – Ele disse ao abrir.
- Vocês ainda estão vivos? – Brinquei.
- Por pouco tempo.
- Cadê a criança? – Eu disse enquanto entrava.
- Na sala. Consegui fazer ele parar com alguma coisa que
estava passando no Discovery Kids. Mas ele não parava e eu não sabia o que
fazer! Liguei para a sua casa pensando em pedir por qualquer uma de vocês três.
- Isabella e Julie não estão em casa...- Não queria dizer
onde elas estavam. Nós não precisávamos tocar no assunto da viagem. – Que horas
a sua tia passa para buscar o... Como é o nome dele?
- Joey. Ela vem à noite.
- Quantos anos ele tem?
- Cinco.
- Ela realmente confiou em você para deixar uma criança de cinco
anos por tanto tempo? – Perguntei rindo.
- Rá, rá, rá. Ele sempre ficou bem comigo... E eu já te
disse que a minha tia Amanda não bate muito bem. – Nós rimos.
- Ele já ficou sozinho com você?
- Não.
- Ele deve estar assustado porque está sem a mãe, Josh. Ele
já comeu?
- Comer? O menino não parava quieto um minuto, como eu ia
dar alguma coisa para ele comer?
- Posso falar com ele?
- Tenta a sorte. Vou inventar alguma coisa para ele comer. –
Eu já tinha me acostumado a lidar com crianças por causa do meu irmão mais
novo, mas Joey não me conhecia... Torci para ele gostar de mim.
- Oi! – Perguntei animada, enquanto me aproximava. Ele não
me respondeu. – Tudo bem com você, Joey? – Ele prestou mais atenção quando
percebeu que eu sabia o nome dele. – O que você está assistindo?
- Super Why.
- Eu adoro esse desenho! – Nunca tinha assistido. – Posso
assistir com você?
- Pode. – Ele respondeu sem tirar os olhos da tela. – Qual é
o seu nome? – Sorri com o êxito da minha operação de aproximação.
- É Anne. – Me sentei ao lado dele e em pouco tempo, nós já
estávamos conversando normalmente. – Joey, você está com fome?
- Estou.
- Que bom, porque eu trouxe um lanche para nós três. – Josh
disse nos fazendo pular.
- O que é?
- Gosta do Mc Donald’s? – Os olhos de Joey brilhavam.
- Sim. – Josh sentou do outro lado de Joey e colocou a
bandeja dos nossos lanches no chão. Joey se distraiu com o brinquedinho do Mc
Lanche Feliz.
- Como você conseguiu isso tão rápido? – Perguntei.
- É incrível o que você pode fazer tendo um nome
conhecido... Em certas horas eu uso esse benefício. – Começamos a assistir a um
filme infantil na tv a cabo e antes da metade, Joey dormiu no meu colo.
- Acho que ele está cansado...
- Eu tenho certeza. – Rimos.
- Vou colocá-lo na cama. – Josh pegou Joey no colo e o levou
para o quarto. Eu comecei a procurar a minha bolsa para ir embora. – Onde você
vai, Anne? – Josh e a mania de aparecer do nada e me assustar. Tive uma
sensação de dejavu quando lembrei que ele estava vindo do quarto e me
surpreendendo parado no corredor, como da última vez em que estive aqui. Foco,
foco, foco, Anne.
- Vou embora, Josh.
- Não! Ele vai voltar a pirar se você não estiver aqui
quando ele acordar. – Por que a cara de cachorro que caiu do caminhão de
mudança, Joshua? Eu hesitei no caminho de ida até a porta e ele percebeu. – Por
favor. Só até minha tia vir buscar o Joey...
- Ok, eu fico. Te ajudo a dar um jeito nisso aqui. – Apontei
para a sala com brinquedos de Joey e almofadas pelo chão, tapetes fora do lugar
e embalagens de lanches do Mc Donald’s.
- Muito obrigado. – Ele riu. – Nós arrumamos tudo rápido e
no fim das contas, acabamos assistindo o filme que era para Joey. Era estranho
ficar ali, assistindo um filme inteiro ao lado do Josh. Ainda mais um filme de
criança. Mas foi só isso o que aconteceu. Assistimos, conversamos como se
fossemos só amigos e tudo estava correndo super bem. Até um certo momento.
- Animada para conhecer NY, Anne? – Por que ele tinha que
tocar nesse assunto?
- Sim... Sempre quis conhecer NY, para falar a verdade.
- Você vai adorar. Acho que esses meses lá vão ser
incríveis...
- Tenho certeza que vão ser divertidos. Nós seis na mesma
casa... – Droga, não devia ter falado isso. - Logo aviso que não lavo louça para
não estragar as unhas.
- Anne, quanto a nós dividirmos a mesma casa... Eu acho que
a gente tem que conversar sobre isso.
- A gente vai passar dois meses convivendo diariamente. Só
isso. – Tentei fazer parecer simples.
- Mas, Anne... Me diz como nós vamos ficar dois meses
olhando um para o outro todos os dias e não fazer isso? – Eu já sabia onde isso
ia terminar, mas fingi para mim mesma que não e continuei.
- Isso o q... – Ele não me deixou terminar a frase. Eu
sentia tanta falta daquele beijo... Estava literalmente em conflito interno
quanto ao que eu queria fazer e o que eu devia fazer e não conseguia decidir se
continuava ou não. Até que alguém decidiu por mim.
- Anne, eu acordei! – Joey disse do nosso lado fazendo com
que nós nos separássemos em um pulo.
- Oi meu amor... Dormiu bem? – Eu perguntei enquanto ele
vinha para os meus braços.
- Não. Tive um pesadelo. – Ele se aninhou e eu achei muito
engraçado o fato dele ter vindo para mim e não para Josh que o conhecia desde
que ele nasceu.
- Calma, foi só um sonho... – Eu fazia carinho nele e Josh
nos olhava com cara de espantado.
- Como você faz isso? – Perguntou.
- Costume e prática. Tenho um irmão mais novo, esqueceu?
- Anne, não me coloca na cama de novo... Estou com medo. –
Os olhos de Joey se encheram de lágrimas e subitamente eu lembrei de quantas
vezes tinha feito isso com o meu irmão mais novo, ainda no Brasil.
- Claro que não! Se você dormir no meu colo, vou te deixar
aqui, ok?
- Tudo bem. – Ele dormiu mais dessa vez, mas ficou no meu colo.
Era desconfortável, mas pelo menos ele não acordaria assustado. Josh se
aproximou e ele ficou deitado nas nossas pernas, deixando meus braços livres.
- Você já pensou em ter filhos, Anne? – Josh perguntou
quando viu que eu tinha mais jeito do que ele imaginava com Joey, ignorando
completamente o fato de que o primo dele de cinco anos pegou nós dois nos
beijando. Com sorte ele esqueceria daquela cena, ele estava quase dormindo...
- Claro que sim... – Respondi ignorando a nossa última ação
da mesma forma. – Sempre sonhei em constituir família, por mais que o meu
perfil de “profissional séria e centrada” diga o contrário. Eu lembro que
quando era mais nova queria ter uns quatros filhos e começar com uns 23 anos...
Até que o meu irmão nasceu e eu percebi que dava mais trabalho do que parecia.
Adiei os planos nuns anos. – Eu ri.
- Sério que você é daquelas que sonha em se casar e ter
vários filhos?
- Sou... – Nós nunca tínhamos conversado sobre isso.
- Você leva jeito para a coisa...
- Acho que é instinto. Antes do meu irmão eu já era a “mãe”
dos meus amigos, a que sempre perguntava se eles tinham casaco e guarda chuva,
a que brigava quando eles não tomavam remédios e essas coisas. Depois que o
Matheus nasceu então... Mas você aprende na prática. Ele não era nem meu filho
e eu aprendi.
- Você vai ser uma mãe incrível. – Sabe quando você ouve uma
coisa completamente inesperada de alguém e mesmo sem saber o porquê, gosta de
ouvir? Pois é.
- Obrigada.
Assistíamos a um filme qualquer passando no tv quando ele acordou.
Com a bateria recarregada. Depois usar toda a nossa criatividade montando
coisas de lego e não querendo recorrer a uma bola de futebol que poderia ser
prejudicial à casa de Josh, acabamos, os três, dançando musiquinhas daqueles
programas infantis que enchem o nosso saco, mas distraem a criança. Josh
recebeu uma pausa quando a campainha tocou e ele foi atender.
- Joey, vem ver quem chegou! – Ele gritou da porta. Devia
ser a mãe dele. Joey saiu correndo e quase atropelou todos os móveis que
ficavam no caminho até a porta.
- Mamãe! – Ele disse quando viu quem era. Ela chegou. Graças
a Deus!
- Oi pequeno! – Ouvi a voz de Amanda e passos se
aproximando. Eles estavam vindo para a sala e eu tentava me recompor, já que
provavelmente seria apresentada a ela. – Josh cuidou bem de você?
- Sim, o Josh e a Anne!
- Quem é Anne?
- É uma am... – Josh tentou começar a responder a pergunta
de sua tia mas Joey o interrompeu.
- É a namorada do Josh, mamãe. Vem que eu vou te apresentar
a ela. – Eu corei e tive vontade de me jogar em baixo das almofadas do sofá
para não precisar olhar para eles três assim.
- Ela não é minha namorada, Joey. – Josh disse enquanto eles
entravam no meu campo de visão.
- Ué, e por que você estava beijando ela na boca naquela
hora que eu acordei? – Ele não esqueceu. Josh e eu não conseguíamos responder
de maneira alguma. Crianças... Amanda percebeu o nosso desconforto e quebrou o
silêncio.
- Namorada ou não... Eu sou Amanda. Tia do Josh. – ela disse
enquanto se aproximava e me dava dois beijinhos nas bochechas.
- Prazer, Anne. – Eu disse enquanto Joey me abraçava pelas
pernas e enterrava a cabeça na minha barriga.
- Bem, posso ver que você fez uma amizade nova hoje, hein,
Joey? – Ela olhou para mim. – Como você conseguiu fazer isso? Ele nunca se dá
tão bem com estranhos...
- Instinto maternal apurado, tia. – Josh respondeu por mim,
me fazendo corar mais ainda.
- Você tem filhos? – Ela perguntou.
- Não... Mas tenho um irmão que é um ano mais velho que o
Joey. Aprendi algumas coisas. – Eu respondi. Ela levantou uma sobrancelha,
olhou para mim e depois olhou para Josh como quem diz “eu aprovo”.
- Bem, muito obrigada por ter ajudado a cuidar dele.
- Que nada, foi bem divertido. – Ver Joey em cima das costas
de Josh brincando de cavalinho, definitivamente foi engraçado.
- Agora nós temos que ir, rapazinho. Está ficando tarde e
eles dois devem ter mais a fazer do que cuidar de uma criança no sábado à
noite. – Ela não acreditou nem por um momento que nós não somos namorados. Pelo
menos não mais. – Fala tchau para a Anne e para o Josh para nós podermos ir. –
Eu me abaixei para ficar do tamanho dele.
- Tchau Anne! – Ele disse enquanto me dava um abraço. –
Quando eu vier para cá de novo, você pode estar aqui também, que nem hoje? –
Como explicar a uma criança de cinco anos que aquilo era mais complicado do que
parecia?
- Claro que posso. – Josh olhou para mim com uma sobrancelha
levantada pelas costas da tia dele. – Dei um beijo na bochecha de Joey e ele
saiu de perto de mim, indo na direção de Josh e pulando no colo dele enquanto
recebia cócegas. E depois era só eu que levava jeito com crianças...
- Bem, tchau Anne. – Amanda disse enquanto se afastava e ia
até a porta com Josh e Joey.
- Tchau Amanda! – Eu me joguei no sofá assim que eles saíram
de perto. O que foi aquilo? Mas ainda consegui ouvir um pedacinho da conversa
de Josh e Amanda...
- Tem certeza que ela não é sua namorada?
- É complicado, tia...
- Josh... Eu não costumo me meter nessas coisas, mas deixa
eu te dar um conselho. Não perde essa menina. Qualquer pessoa que se dá tão bem
com Joey assim, de primeira, não pode ser desperdiçada.
- Eu não vou, tia. – O tom de voz dele era diferente.
Afundei o rosto numa almofada.
- Tchau, meu filho. Obrigada por cuidar dele. – Ouvi um estalar de beijo e a porta bater e
imediatamente me recompus. Mas antes que eu pudesse fazer qualquer movimento
maior, ele já estava do meu lado no sofá, encarando os pés, da mesma forma que
eu fazia.
- Nós não chegamos a nenhuma conclusão sobre o que vai ser
desses dois meses em NY. – Ele começou o assunto indesejado por mim enquanto se
virava para me encarar.
- Eu não sei como vai ser Josh. – Respondi olhando de volta.
Nós ficamos sem falar nada por alguns segundos e quando dei por mim, seus
lábios já estavam nos meus. Mas dessa vez eu me afastei. – Acho melhor não,
Josh.
- Acha melhor não o que, Anne? – Ele mudou o tom de voz para
um que nunca havia usado comigo antes. – Você realmente acha melhor nós não
admitirmos que toda vez que ficamos sozinhos acabamos desse jeito quando não
devíamos? – Se levantou e me encarou de cima. – Acha melhor a gente continuar
fingindo que está bem quando todo dia à noite rolamos na cama pensando um no
outro? – Então ele também estava assim... – Acha melhor a gente continuar com
esse relacionamento musical toda sexta feira? Isso está acabando comigo, Anne.
Eu não consigo mais ficar desse jeito. – Eu não conseguia falar nada. Ele se
acalmou e sentou-se a meu lado outra vez. – Você não vê o Keegan e a Isa? Eles
estão juntos. Escondidos, mas estão. A gente podia fazer o mesmo.
- É diferente Josh. Eles não tem ex-namorados os mantendo
sob ameaça. Nunca descobriram o relacionamento deles. Se, por algum acaso,
descobrirem agora, eles vão ter uma chance da mesma forma que nós tivemos. Se
descobrem de nós dois outra vez, eu vou ser demitida definitivamente.
- Uma vez você disse que estava pensando em preferir a
demissão a ficar longe de mim... Mudou o jeito de pensar?
- Josh, eu estava extremamente nervosa quando disse isso. Se
eu for demitida, não vai ter como continuar em LA, não vou conseguir me manter.
Vou ter que voltar para o Brasil, e vai ser bem pior assim.
- Você podia vir morar comigo. – Ele falou, sem pestanejar.
- O que? Morar com você?
- É, eu venho pensando nessa possibilidade há um tempinho,
Anne. Se você fosse demitida podia vir morar comigo.
- E fazer o que? Ficar o dia todo dentro de casa sendo
sustentada por você? – A imagem de mim mesma virando dona de casa me fez
arrepiar.
- Você sabe que esse não é o problema.
- Esse não é o problema. Mas e os meus quatro anos de
faculdade? E o meu intercâmbio? E o amor ao meu trabalho, Josh, fica aonde? –
Foi a minha vez de levantar e falar mais alto. – Eu não posso trocar isso tudo
por um relacionamento.
- Então agora nós viramos só um relacionamento. – Ele se
levantou e me encarava na mesma altura agora.
- Não foi isso o que eu disse. Eu só disse que não posso
jogar a minha carreira fora por que nós dois não conseguimos esperar mais
alguns meses. – Ele ficou algum tempo sem falar nada, como se estivesse
ponderando uma decisão.
- Então, Anne, vou deixar as coisas mais fáceis para você. A
gente termina o que não temos mais e não precisamos esperar mais nada. – Eu não
acredito que ele estava falando isso. Demorei um pouco para absorver as
palavras e respondi.
- É isso o que você quer?
- É.
- Então eu acho melhor, também. – Disse, apesar de todas as
minhas entranhas gritarem nos meus ouvidos que era mentira.
- E não se preocupa. Eu não vou ficar no apartamento do Ian em NY. Vou para o apartamento
do meu irmão.
- É melhor assim mesmo. – Eu disse enquanto pegava a minha
bolsa. Não me preocupei em me despedir, apenas bati a porta ao sair. E me
arrependi do que tinha feito no momento em que coloquei os pés na rua. Mas não
voltei atrás. Ele achava melhor assim.
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